O título é demasiado rebuscado para este post que nem sequer é sobre pastelaria fina ou a, actualmente muito em voga,cozinha afrodisíaca. Ocorreu-me mais falar sobre meter a mão na massa.
A cozinha é de todas as divisões da casa a que menos me importa utilizar. Gosto de vê-la arrumadinha, a brilhar, com todos os apetrechos pendurados bem oleados e a luzir. O inox em contraste com a pedra preta da bancada, o micro-ondas a um cantinho, o copo misturador no outro e a torradeira, e os outros electrodomésticos todos arrumados, que eu não gosto de coisas atulhadas. A típica cozinha de quem não cozinha, aquece.
Nem sempre foi assim. As circunstâncias da vida assim o motivaram, com tudo o que isso tem de bom e de mau. O bom é a comida da minha mãe, o mau é o analfabetismo culinário em que caí.
Cozinhar é bonito.
Se não fosse ter de ir ao supermercado e gastar um rio de dinheiro em víveres, quase que invejava (pouco) as pessoas que diariamente têm de se fazer aos tachos. Os cheiros, o calor do fogão, a gula a crescer cada vez que a fervura emana odores a alho, azeite, louro, coentros... hummm, os ingredientes cortados com perícia por facas bem afiadas, o sacudir dos braços de quem bate umas claras ou amassa o pão... Tudo isto faz parte da minha infância, quando ainda não chegava à bancada e não podia brincar com o fogo.
Quem me conhece é capaz de não acreditar, mas cresci a amar a culinária. Como todas as crianças imitava os adultos, e à minha mãe, que deixou de trabalhar quando me teve (só Deus sabe como conseguiu), imitava a parte que ela dedicava à confecção do nosso alimento, embora ela odeie cozinhar (jamais perceberei como é que ela o faz tão bem). Nunca brinquei muito com bonecas (a não ser a famosa Tucha, antecessora da Barbie que só vim a conhecer muito mais tarde), preferindo-lhes os telefones, as malas, os sapatos e colares da minha mãe, a mala de médico, os papéis de escritório, a super mulher, os jornalistas, as hospedeiras (valha-me Deus que me arejou a cabeça), os molhos de chaves (um dia explico melhor esta parte) e... as panelinhas e serviços de chá em loiça. Ainda hoje quando entro na loja Imaginário vou a correr para essa secção. Deliro.
Cada bolo, cada doce, cada prato da minha mãe me fazem lembrar certas épocas e certos rituais, que não consigo dissociar. O Bolo de Iogurte e o Bolo de Mármore (quem não conhece?) eram os mais frequentes, os do dia-a-dia. O arroz doce branco da Beira (sem ovos, portanto) dos fins-de-semana. O leite-creme para as visitas, no Natal e na Páscoa (antes das modernices em que a minha mãe se meteu com leites condensados e palitos La Reine). O cabrito assado no forno, a chanfana no Inverno, o serrabulho com grelos, as pataniscas, o arroz de cabidela (“arroz de terra”, como o meu pai lhe chamava), o frango com limão no forno, etc, etc... A Tarte de Maçã, as queijadas de leite... etc...etc...etc. Os fabulosos croquetes, cuja carne a minha mãe picava num estranho torno de ferro... Meu Deus, entrei num albúm e era capaz de aqui continuar o dia todo.
Livros de culinária? Devorava-os. O último grito eram os fascículos do Chefe Silva, a colecção “Teleculinária”. Ainda hoje a minha mãe se orienta por eles, há uns hamburguer’s caseiros com molho de mostarda que ainda fazem história. Depois vieram, os Gouchas, as “receitas modernas”, a mania das dietas, as semanas e os fins destas atribulados sem muito tempo para estar à mesa. Enfim, a minha mãe diminui as calorias e o tempo passado na cozinha, mas ainda assim não há para mim melhor restaurante. De vez em quando ainda rapo a taça depois dela bater um bolo.
Claro que eu também a deixei de imitar. Até aos 18 anos mais ou menos, quando me dava a neura lá ia eu para a cozinha bater uns ovos com açúcar, untar formas, controlar temperaturas de forno, encher-me de farinha, usar o rolo da massa (adoro este utensílio) e presentear a família e amigos com os meus bolos e bolinhos. A minha mãe nunca me deixou brincar com comida a sério, só com bolos, e eu por sinal também achava a pastelaria mais dinâmica e divertida. Fazer ‘scones’ então, e comê-los a ferver, era um pecado recorrente.
Tudo passa, mas ainda resiste em mim um fascínio por separar a gema da clara, picar o bolo com o palito para ver se está cozido, ou bater manualmente as claras em castelo até que ao virá-las para baixo elas permaneçam firmes da minha arte.
Na minha cozinha arrumada gostava um dia de voltar a meter a mão na massa e, quem sabe, ver alguém a imitar-me
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