28.9.04

Carta a Shaymalan

Na nossa vila só existem boas pessoas. Umas são doidas, mas são acolhidas com paternalismo. Outras são destemidas e são olhadas com um misto de admiração e receio. A maioria é normal, quer apenas levar a sua vidinha. Todos temos segredos enfiados no armário, que confessamos só a alguns a que chamamos amigos íntimos. O pior é que somos todos conhecidos, a vila é pequena. Todos andamos encalhados uns nos outros a ver se sobressaimos, mas também não podemos sobressair muito porque há personalidades a cores que destoam muito daquelas que são a preto e branco. Todos nos apaixonamos, mas às vezes não podemos fazer aquilo que queremos para os outros não saberem que o queremos fazer. Todos somos muito complicados. Na nossa vila só existem pessoas com medo. O medo é o denominador comum, só os doidos se dão ao luxo de o não ter. Sabe porque é que todos temos medo? Porque até os corajosos precisam dele, senão não eram corajosos, eram filhos da puta. Quem me disse isto há muito tempo foi um auto-denominado fraco, que de corajoso tinha muito. O pior e o melhor da nossa vila são os destemidos! Dão-nos cabo da cabeça com a mania de querer ir às cidades. As cidades são más. Pois são. Têm crime, criminosos, políticos, banqueiros, gente que mata os próprios filhos, pedófilos, centros comerciais, terroristas... Os destemidos sabem disto. Então não hão-de saber? Os destemidos são o melhor da nossa vila, aventuram-se nas cidades, com humildade e convicção, porque sabem que a maior glória consiste em ser vilão na cidade, em ser bom onde existem maus. É por isso que eu quando for grande quero ser vilã... na cidade. Ah... É verdade Sr. M. Night Shaymalan, quando fizer o seu filme sobre a noss'A Vila, ponha os actores a fazer aquela cena de amor no alpendre que eu lhe disse na outra carta que gostava muito que me acontecesse um dia. A mim e a todos os meus amigos daqui. Obrigada.

25.9.04

Private post público

Acabei de chegar de Hollywood, conquistei o Johnny Depp em três segundos, dei-lhe uma tampa e voltei hoje de madrugada cada vez mais convencida que não quero imitações... Prefiro, como já sabia há muito tempo, o my guy real. Johnny lindo, desculpa querido, mas continuas o número um do banco dos suplentes.

22.9.04

My guys

Descobri recentemente que a maioria das minhas amigas (e amigos, mas estes vão levar um post a seguir, que os sexos só se devem misturar às vezes) perderam a vergonha de falar abertamente das suas "paixões impossíveis", vulgo estrelas de cinema, da canção, etc. Eu sempre as tive e sempre as assumi, sem pudor e sem medo que me chamassem tolinha, adolescente, "pitinha", infantil... (Ao que sempre responderia "Obrigada!"). As confissões de adolescente começaram numa tarde qualquer de tédio e a partir daí tem sido o descambar. Resumindo: Quase todas temos uma pasta "gajos" ou "guys" nos seus computadores, todas fizemos o Top 3 (10, 20...) todas temos suplentes, e todas trocamos fotos sacadas da net para a nossa colecção de cromos. O cúmulo desta decadência: As mais descaradas até metem as fotos preferidas no écran do PC, para quem quiser ver. A única excepção são os filhos, esses, ainda assim, continuam a liderar todas as playlists... A prole em detrimento do desvario, sempre. Entretanto, comecei a preocupar-me em arranjar uma explicação para este fenómeno. Isto merecia e, mais do que tudo, apetecia! Fiz um estudo exaustivo das colecções em cima da mesa, uns inquéritos, relembrei as pancadas e os percusos amorosos de todas as minhas amigas e hélas! O que conta não são os senhores em questão, mas aquilo que eles simbolizam. Não interessa se o Sean Pen da G. é alguma coisa de jeito, a G. gosta dele porque ele personifica a rebeldia, o abandono, a inconstância da sua vida. A R. prefere o Colin Farrel, porque este baixinho irlandês é apenas o mais famoso de todos os baixinhos morenos, com tatuagens e mau feitio de que ela tanto gosta. O Pierce Brosnan, também muito solicitado por estas coleccionadoras, é, por sua vez, um duplo ícone: "James Bond" e "homem casado há muito tempo, fiel, viúvo ainda por cima (com muitas suadades da falecida), pai de família, e que consegue ser isto tudo mesmo sendo actor e muito giro". Por isso, meus queridos amigos, fixem isto: Os "guys" são todos eles ícones de um ideal, mais do que de beleza. Quase todas nós já namorámos, estamos enamoradas ou somos casadas com as melhores versões destes tipos do starsystem - homens reais, que encontrámos um dia e que, eles sim, preenchem os nossos sonhos e os nossos pesadelos. Por isso, ó tu aí desse lado que me estás ler... O Johnny Depp a fumar uma cigarrilha no meu computador (além de ser o number one do meu TOP e de me fazer ter maus pensamentos) é apenas uma imagem que guardo de ti a fazer o mesmo. Dá-me lume... PS- Querida S., fiz este post a pensar sobretudo em ti que tens sido sido uma preciosa colaboradora neste clube de coleccionadoras. A S. é uma "informática" de mão cheia, tem uma mega composição fotográfica com o Dougray Scot no seu écran do PC... Mas a S. é um mistério... Talvez o Dougray seja o ícone disso mesmo - Mistério!

20.9.04

Jantar de bons malandros

"Olha, inscrevi-te num jantar de blogues! Queres vir?". A minha amiga da Objectiva 3 já tinha programado a minha noite de sábado e eu, que sempre gostei de conhecer... desconhecidos, alinhei. O problema é que, afinal, a minha agenda mental não estava tão livre como gostaria. Todas as conversas acabaram por me fazer lembrar de outras confrarias e paixões... Acabei por sair da "blogoesfera" e viajar pelas camadas do subsolo, mesmo até ao núcleo. De regresso a casa, já de madrugada, pensei que o fenómeno dos blogues traduz-se nisso mesmo: Uma viagem ao centro de nós, feita de fugas instantâneas, excursões voyeuristas, escapadelas, espreitadelas pelos buracos das fechaduras alheias... Pequenos crimes, que se reuniram à mesa no último sábado por iniciativa do Zeca Telhado, bloguista convicto e fraterno, defensor daquele tipo de solidariedade resistente à esquerda da razão. Curiosamente, o seu era o único blogue que eu já tinha espreitado, por causa do encontro, mas acabou por resultar numa das minhas maiores falhas de comunicação no jantar. Eu não estava nas minhas melhores noites, confesso. Noutras ocasiões, tinha passado a pente fino todas as mesas e feito uma sessão de relações públicas de que não há memória... Fica para outra reunião. No entanto, outros blogues houve que me cairam na sopa e que eu não posso deixar de referir. Uma palavra especial para o Lusofolia, pela empatia e pela citação com que já me tinha honrado. O Melga é um querido, a sério, além de me ter acompanhado na minoria etária que acabámos por constituir no jantar. O Cidadão do Mundo tem uma energia fora do comum, e desconfio que a sua agenda mental também estaria ocupada com os milhares de coisas em que se afadiga, sempre à procura de outros mundos. O Bogquisto foi a boa companhia da mesa, serena e observadora, apesar das preocupações com a saúde deste país. A Baby Lónia é um furacão, e não é que já tínhamos entabulado uma relação comercial? O Sete Mares e o Nova Floresta são seres dados aos livros e às poesias, cabeças pensadoras... À Com Pinga de Sangue, que acabou por me "roubar" a Objectiva 3 durante uma boa parte da noitada, não detectei nenhuma anemia intelectual. O Alex vinha de Santiago de Compostela, ainda estava com os fusos trocados e, já se vê, trazia a energia espanhola nas veias... Por fim, o Claque Quente, uma espécie de "semi-colega", fez questão já de nos brindar, à minoria feminina (eu fiz parte de duas minorias...) com um excerto do seu alter ego (cronista de maus costumes) e corre o risco de uma queixa conjunta à Alta Autoridade para a Comunicação Social! Vão ver meninas! Vão ver e dêem-lhe na cabeça... Por fim, que este post já vai longo, um reconhecimento sincero à malta do Porto, sobretudo à Maria que "linkou" a lista completa de malandros, e à Jacky, com quem eu mal falei mas que me pareceu uma super mãe. No próximo jantar levo o Suave Milagre que aproveito para recomendar vivamente, e que por esta altura deveria conhecer de cor todos os blogues presentes. PS - Zeca Telhado, no próximo jantar escolhe um restaurante mais apropriado a este bando de pequenos crinosos, uma caverna menos modernaça e mais convidativa à conspiração. Embora, os empregados do "Brisa do Rio" tenham sido de um gentiliza a toda a prova.

13.9.04

Liv(r)e

Mas a liberdade começa na escravidão e a soberania na dependência. Stig Dagerman
Já li que o filme é mau. Se calhar, o final podia ter sido mais bem esgalhado, não discuto. No entanto, gostei muito de ver Tom Hanks encalhado no "Terminal do Aeroporto", espécie de náufrago sem pátria reconhecida, sem dinheiro para comer, sem saber falar inglês, sem ordem de saída ou de embarque para outro local que não a área internacional do JFK, uma espécie de limbo ou purgatório da sua existência como viajante. Um desgraçado! Limitado por todas as leis internacionais e autoridades dos serviços de imigração dos EUA, Viktor Navorsky, a personagem que interpreta, torna-se num dos homens mais livres da América. Sem cair em lamentações, Navorsky encontra maneira de se apaixonar, arranjar emprego, fazer amigos, desafiar os "aerocratas", mudar de visual, oferecer presentes, ser cupido, ajudar um compatriota em apuros, aprender inglês... Até que finalmente consegue sair "livre" pela porta da frente, rumo a Nova Iorque. Talvez por isto o final saiba a tão pouco, é que a verdadeira liberdade de Viktor Navorsky começou na prisão em que o destino o encurralou.

7.9.04

Imortal (com a) idade

O Anjo da Morte às vezes assalta-me. Tenho uma boa convivência com ele e este affair já levou a que me atribuam frequentemente nomes simpáticos como gótica, mórbida ou, o mais consensual, maluca. Eu aceito. A verdade é que para mim o Anjo serve para me lembrar (e ainda hoje me fizeram lembrar da sua figura no Cemitério dos Prazeres, o seu lugar preferido em Lisboa)que a vida dá graças à morte por esta lhe lembrar a sua finitude terrena, porque a vida no além não passa, se formos rigorosos, de uma promessa alimentada pela fé que nem todos se podem orgulhar de possuir. Apesar do meu orgulho convicto, reflecti muito sobre o meu caminho para a imortalidade (se lerem o post "My imortal soul" percebem do que falo), e nos últimos dias tive mais uma confirmação que ela começa em "casa"... O adeus ao defunto "Os Trintões" acompanhou por mera coincidência (?) uma viragem na minha vida profissional. Na realidade, foi mais um fecho de um ciclo, ou o encontro entre duas extremidades de um ciclo antigo... Confuso? É. Entre ciclos, encontrei abrigo num barco seguro, animado por bons marujos e um óptimo capitão, que diariamente tentam levar a bom porto os seus ofícios, apesar das marés vivas e, tantas vezes estagnadas, do mar de gente da administração pública local. Nesse barco aprendi que umas vezes hasteamos a bandeira, outras limpamos o convés, noutras ainda remendamos as velas... Mas é aos marujos e ao seu capitão que eu dedico este post. Obrigada pelas palavras de estímulo, obrigada pelas saudades, obrigada pelo lugar cativo na tripulação. Obrigada por ser todos os dias um bocadinho mais imortal.

6.9.04

E agora?

A beleza está no auge, a família é o porto de abrigo que finalmente consideramos e, simultaneamente, oferecemos, o sexo nunca foi tão desejado, os amigos são bons porque resistiram à triagem do tempo e das convicções... No entanto, sentimo-nos perdidos entre a inevitável idade adulta e a juventude que nos foge. Os "vintes" foram uma correria de namoros, estudos, casamentos, procura de emprego... Mas tinhamos tanto tempo!... E agora?
E com esta constatação banal e mórbida iniciava o defunto blogue "Os Trintões", do tempo que vivi como se estivesse à beira do fim de uma era, ou como se tivesse feito um tratado de tordesilhas da minha existência... Nah. Disparate. E agora??? E agora sou eu, somos nós todos, é a vida. Somente. O novo nome não pretende ser um remake do livro da moda, nem apaga o que escrevi sob o signo da idade, porque todas essas palavras que o precederam estão inscritas no meu código.