25.8.05

Portug...

Afinal o fogo chegou aí mãe. Desculpa. Sempre pensei e te disse que não. Naquele dia até eu me dei a pensar que chegara o fim do mundo, quando bateu às portas de Coimbra. Não és a única sabes? Há por aí muita gente a pensar que estamos no limiar do fim, pelo menos deste mundo. Eu vou-me ficando sem penas maiores. Já nem choro pelas duas ilhas da Madeira que arderam, ou pelos 180 mil campos de futebol que arderam. A bandeira que jurei em escuteirinha não cobre ninguém, há sempre rabos de fora, mãos estendidas a furar a esfera armilar a ver se espetam o dedo na sopa alheia, gente a ganir os direitos e a meter os deveres entre as nádegas, gentinha e gentalha. Portugal está assim, no fim.

Incêndios? Todos os dias ardem hectares de neurónios, dignidade, competência, honestidade, empenho... Do que eu não gosto mesmo nada é de ficar chamuscada. Já se sabe que o fogo é uma coisa incontrolável e pega-se. Diz o povo que são todos de origem criminosa. Eu, que sou povo, também acho, mas os criminosos não são os doidinhos que gostam do espectáculo, são os espertinhos que gostam de nivelar por baixo, ter toda a gente ao nível rastejante da sua vidinha - casa, carro, emprego (não é trabalho, que isso dá trabalho), carro, casa. Às vezes nas chamas vemos aflitos os que trabalham para dar casas e carros e empregos aos criminosos. E ainda há aqueles que não têm uma coisa nem outra.

Entre pobres de espírito, novos pobres e ricos reflorestados, quem se lixa são os produtores internos brutos.

Realmente os incêndios dão uma óptima metáfora.

Nota: Existe agora, apesar de tudo, para os produtores internos brutos uma óptima oportunidade de passear livremente em Portugal, sem a cabeça cabisbaixa por uma pátria que se está a afundar. Já afundou meus amigos. Agarrem os despojos. É o que eu estou a fazer. Ó ilhas desertas do meu contentamento, lá naufragarei.

17.8.05

a demanda

Descobri qual é o meu graal*.

Duas pedras de gelo entre as mãos, uma fogueira no lado esquerdo, um vento que me dê nas ideias e muita água sob os pés.

E aconteço, sem me preocupar se sou bem ou mal quando existo.

Este é um post verdadeiramente alegre. Juro.

*nem sequer me importa agora se o encontro. Quero lá saber. A exactidão da sua existência reconcilia-me com tudo o resto.

Onomatopeia para este post - ahahahahahahahahah

8.8.05

Caminhos de Santiago 4

Dias da Rádio

Viver numa redoma sonora é uma bela maneira de intercalar um mundo de imagens. O microfone não me intimida, compreendi-o quando um dia alguém me explicou que ele é apenas um meio "vale tanto como uma vassoura, esquece-o". A rádio desafia-me a criar imagens com sons, sobretudo com o som da palavra.

Seria eu do tempo em que a rádio era mais do que um enorme gira-discos, ditada por 'play lists'? Eu acho que sim. Os meus dias da rádio são de música também, porque não?, mas sobretudo de dizer. Dizer-te, dizer-vos, dizer-lhes. Dizer é um verbo belo e útil (raramente as duas coisas coincidem). Falar é vago, enche-nos os ouvidos e olhamos para o lado e vemos tantos outros destinatários; Falarão para mim, falarão para ti? Ninguém sabe. Quando dizemos, dizemos a alguém em particular.

Não há melhor forma de comunicar do que fazer o outro sentir-se único. É só dizer-lhe.

4.8.05

Gaivota ou gato?

De tão muda que fiquei, trôpega, incapaz de descrever as emoções que a "História de uma Gaivota e do Gato que a ensinou a voar" do Sepúlveda me provocou, só agora consigo...

Ofereceu-mo um querida amiga com dedicatória oral "Lê que te vai dar força!". E deu, por acaso.

Nem sequer é muito o meu género, animais a falarem, sem homens nem mulheres enrolados em sentimentos e perturbações quotidianas, sem suspense e mistérios, sem divagações mortíferas sobre a existência.

Demorei a pegar-lhe, pendia-me a crítica para a seca, molhava-me as mãos o nervosismo das leituras obrigatórias. Que se há-de fazer? Embirro a priori com uma série de coisas nem sei bem porquê.

Lá o pus na sacola na ida para a praia. Então esqueci a água que, disseram-me, até estava morna, e o mar flat como eu gosto. Esqueci o Perna de Pau (com letra maiúscula que com os sabores da infância não se brinca). Esqueci-me de ser casmurra, pronto.

Li.

Afinal molharam-se-me os olhos, e secaram-se-me as peles, que até do Sol em cima de mim me esqueci.

Agora só não sei uma coisa. Serei gaivota ou gato?

Eu gostava de acreditar que sou a gata em telhado de zinco a ferver. Eu gostava de esquecer que sou a gaivota a tremer.