31.10.04
29.10.04
Páginas tantas
Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;
a mim orgulham-me as que li.
Jorge Luis Borges
Continuo aos tombos, a cair da cama abaixo das malditas insónias porcausa da porcaria da idade. Agora lembrei-me que tenho lido pouco e que se calhar já não vou a tempo de ler tudo. E o que é tudo? Para mim será sempre o contrário do nada, nunca arranjei tempo para o meio termo na minha vida. E depois prescrevo aos outros a douta psiquiatria, quando eu é que lá devia ir picar o ponto da minha insanidade. E porque é que não tenho lido mais? Porque preciso de palavras que amortizem as minhas quedas na realidade, e estas palavras de suspensão são raras. Quando as encontro sinto-me tão aconchegada, que as sublinho, guardo, leio e releio, e ainda as transporto de um lado para o outro. Acontece que não me é fácil gostar do que leio... E quando gosto, amo até à exaustão, sem ameaça de cansaço. Tenho uma meia dúzia de livros e uma mão cheia pequenina de poemas que estão para mim como a água está para a chuva. Uma das obras vem desde pequenita, fez-me chorar durante uma papeira inteira e toda a gente pensou que a minha tristeza se devia ao inchaço. É o único que já não leio há muito tempo, está escondido. Os outros, um está no trabalho, um anda na mala de vez em quando, um está à cabeceira... Todos eles, livros e poemas, foram oferecidos, dados a ouvir, sugeridos ou herdados. Nenhum resultou de um impulso consumista. Desses consumos está a prateleira composta, sem leitura ou caídos no esquecimento. Claro que há aqueles que estão no limbo, sem glória mas com direito a umas noites e dias de entusiasmo. Hoje acordei da insónia a pensar que devia ler mais. Suspeito que, além da minha recorrente e precoce antevisão da velhice, alguns blogues terão contribuído para esta minha nova e boa paranóia. Obrigada Baby Lónia, da tua inspiração deve de alguma forma ter sido expirada a primeira coisa que depositei hoje neste ecrã: Quero ler para abdicar de mim, para não me esquecer de ti, para enfim me lembrar que não estou só e que o esquecimento é afinal o reverso da existência de nós.
PS - Jorge Luis Borges é daqueles que me aconchega, porque nele a balada da solidão soa sempre tão acompanhada. Foi com ele que aprendi que se esquecemos uma coisa é porque essa coisa existiu. É. E ser é bom.
19.10.04
Pestinhas egoístas
18.10.04
Sem sombra de pecado
Na cidade nocturna luminosa com mil olhos aquáticos pintados...
Yvette K. Centeno
O Bairro Alto está em forma. As ruas estão cheias (as esquinas então nem se fala), há bares com preços aceitáveis, há vintões, há trintões, poucos 'teens' e poucos quarentões (onde andam?), malta vestida com a roupa da avó e pijamas desportivos, muitos gay, cuecas nos estendais, uma ou outra rapariga com o salto entalado entre as pedras (não sabem que o BA, e meia Lisboa, pede calçado de guerra?), algumas vedetas à portuguesa a fazerem de conta que querem passar despercebidas, entre outros cromos autocolantes. Na última sexta-feira também devo ter sido uma "croma". A noite foi gira, mas não me encheu as medidas. Há muito tempo que as noites estão aquem do que os dias me pedem - boa música, dança, brilho, magia e poesia. Salva-se a conversa, que é sempre boa como as companhias que tenho o prazer de disfrutar, mas não chega para saldar a dívida que Lisboa tem comigo, é que nesta capela não faço eu 'mea culpa'. O pecado há muito que mora longe da noite na cidade, agora só há corpos que se portam mal, sem alma.
13.10.04
Percurso
Em todas as ruas te encontro Em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
Há três cidades portuguesas que me dizem muito: Lisboa, Coimbra e Covilhã. A primeira é permanente, e é a minha preferida. Não tem nada a ver com a luz, a calçada, o Tejo... Prefiro Lisboa porque é simplesmente a maior do país (não é só por isso, claro, mas essa é a sua característica mais importante para mim). Tenho a mania das grandezas, o que hei-de fazer? Mas a minha maior mania é ser livre, e nestas três cidades vivi já momentos de grande liberdade, o que é a mesma coisa que dizer - felicidade. À Covilhã já não vou há muito tempo, mas tenho amigos e recordações que me provocam frequentemente doces retornos... Coimbra é sobretudo uma questão de sangue, mas também de amor, completando o triângulo cujo vértice é Lisboa, sempre. Durante uns tempos, por razões várias, mas acima de tudo profissionais, vou vadiar por Lisboa. Espero, lá para meados do próximo ano ter boas razões para nunca abandonar de vez esta cidade.