Páginas tantas
Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;
a mim orgulham-me as que li.
Jorge Luis Borges
Continuo aos tombos, a cair da cama abaixo das malditas insónias porcausa da porcaria da idade. Agora lembrei-me que tenho lido pouco e que se calhar já não vou a tempo de ler tudo. E o que é tudo? Para mim será sempre o contrário do nada, nunca arranjei tempo para o meio termo na minha vida. E depois prescrevo aos outros a douta psiquiatria, quando eu é que lá devia ir picar o ponto da minha insanidade. E porque é que não tenho lido mais? Porque preciso de palavras que amortizem as minhas quedas na realidade, e estas palavras de suspensão são raras. Quando as encontro sinto-me tão aconchegada, que as sublinho, guardo, leio e releio, e ainda as transporto de um lado para o outro. Acontece que não me é fácil gostar do que leio... E quando gosto, amo até à exaustão, sem ameaça de cansaço. Tenho uma meia dúzia de livros e uma mão cheia pequenina de poemas que estão para mim como a água está para a chuva. Uma das obras vem desde pequenita, fez-me chorar durante uma papeira inteira e toda a gente pensou que a minha tristeza se devia ao inchaço. É o único que já não leio há muito tempo, está escondido. Os outros, um está no trabalho, um anda na mala de vez em quando, um está à cabeceira... Todos eles, livros e poemas, foram oferecidos, dados a ouvir, sugeridos ou herdados. Nenhum resultou de um impulso consumista. Desses consumos está a prateleira composta, sem leitura ou caídos no esquecimento. Claro que há aqueles que estão no limbo, sem glória mas com direito a umas noites e dias de entusiasmo. Hoje acordei da insónia a pensar que devia ler mais. Suspeito que, além da minha recorrente e precoce antevisão da velhice, alguns blogues terão contribuído para esta minha nova e boa paranóia. Obrigada Baby Lónia, da tua inspiração deve de alguma forma ter sido expirada a primeira coisa que depositei hoje neste ecrã: Quero ler para abdicar de mim, para não me esquecer de ti, para enfim me lembrar que não estou só e que o esquecimento é afinal o reverso da existência de nós.
PS - Jorge Luis Borges é daqueles que me aconchega, porque nele a balada da solidão soa sempre tão acompanhada. Foi com ele que aprendi que se esquecemos uma coisa é porque essa coisa existiu. É. E ser é bom.
2 Comments:
não gostei do "puta da idade". velhos sãos os trapos!
tens me dado muita coisa q os jovens insanos não me dão!
o resto do post está excelente!
um beijo
Ohhhhhh!!!
Fui navegando na corrente do teu raciocínio e, de repente... paff! virou-se-me a canoa! Ainda estou corada com o teu desplante, codificada criatura!?
Quanto à idade... bom, aí o Zéca, experiente e maduro-vivaz, já te disse tudo nas reticências :-). Ainda fresco na memória, por leitura recente, 'achei' uma designação onde cabe quase tudo, que era mais ou menos assim: "envelhecem-me as carnes e os pêlos, mas nunca o desejo de seduzir".
Quanto ao Borges... desassossega-me; mas é disso que eu gosto. ;-)
Kiss & hugs
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