5.10.04

A nossa geração

Assistimos à partida de mais um português que deixa saudades. Fialho Gouveia leva consigo parte de uma memória de Portugal e de muitos portugueses, e transportou-me, muito especialmente, à memória do meu pai, que teria hoje, se fosse vivo, exactamente a mesma idade. Fialho Gouveia, cujo trabalho marcou indelevelmente a comunicação televisiva no país, fazia, portanto, parte da mesma geração do meu pai, um "desconhecido", e da mesma geração de outros profissionais, "conhecidos". Todos da mesma época, uns do lado de lá do écran, outros do lado de cá, mas todos vivendo as contingências políticas, económicas e sociais do seu tempo. Não admira que no funeral de Fialho Gouveia estivessem presentes tantas pessoas da sua geração, mais anónimas que "conhecidas". Houve uma destas últimas, Artur Agostinho, que me emocionou pela solidão em que se traduziram as suas palavras, qualquer coisa como "Vejo-os partirem e cada vez me sinto mais desacompanhado". Envelhecer não é uma coisa agradável, pelo menos a mim a ideia aterroriza-me. No entanto, a certeza que os nossos amigos envelhecem ao nosso lado atenua esse medo, porque sabemos que quando um andar mais devagarinho a estorvar na avenida, o outro também caminhará a seu lado, e serão dois a estorvar. Na prateleira da velhice, haverá lugar para todos nós, os da mesma geração. A maior solidão, a maior morte primeira antes da definitiva (que não é, de longe, a pior) é quando começarmos a ficar sós... Quando começarmos a dizer adeus àqueles que levam um bocado de nós, que nos deixam aqui desacompanhados. É com profundo egoísmo, profundo egoísmo, que penso tantas vezes: Não quero ver os outros partirem.

2 Comments:

Blogger mjm said...

Minha linda, ver alguém partir antes do tempo é ainda mais duro! Parece doer-nos 'mais' sendo alguém 'conhecido' pq nos agrupamos num todo imenso.
Pior ainda, não duvides, é ver partir ficando e não se ter 'onde ir pôr flores'...
Um kiss muito especial para ti, criatura sensível (do género em extinção)!

11:43 da tarde  
Blogger Roxanne said...

querida, quando dou uma olhadela ao "monstro-solidão" que mora debaixo da minha cama e penso no mesmo que pensaste tento imaginar-me na companhia da geração seguinte, ou da seguinte à seguinte. Entre eles não me sentirei igual nem diminuirei as saudades dos que partiram mas espero ser para eles um espelho do seu futuro e um sorriso de esperança.
Beijinho

7:46 da tarde  

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