18.1.05

Caseiros

Os portugueses são caseiros. Adoram a casa, adoram comprar casa, adoram ir para casa, adoram a ideia de ter uma casa, adoram esquecer-se que são os bancos, na generalidade das vezes, quem verdadeiramente detém o poder sobre a mesma, adoram a ideia de deixar a casa aos filhos. Adoram a casa. Quando digo "adoram", refiro-me mesmo a uma adoração mista, entre o pagão e o religioso, na vertente sacrifício e mortificação corporal.

Ninguém de fora conseguirá imaginar as discussões que tenho tido com os meus amigos por causa da ideologia proprietária em que todos teimam sobreviver.

Eu explico. Nenhum deles é rico, daqueles que compram casas a pronto, tal como a maioria dos portugueses não é rica. Então eu pergunto-lhes porquê? Para quê estar sujeito a contribuições, impostos, condomínios, bancos, e todas as chatices que advêm da posse, quando se pode arrendar uma casa, pelo mesmo ou por menos, no centro da cidade (para quem como eu considera isso importante), sem avalições bancárias e sisas, sem as eventuais prisões que significam as escrituras e a condição de proprietário; Sujeitos a que as contrariedades da vida imponham a venda do imóvel num determinado tempo, sem que esse tempo chegue ou que, ao chegar, não valha afinal o que se pensou que viesse a valorizar.

Eles respondem-me com o inevitável "Uma casa arrendada não é minha". "É enquanto se paga e enquanto se quer", respondo eu. "A vossa é dos bancos até vocês a acabarem de pagar já na reforma". Nah. Não pega. Eles continuam, "mas será dos nossos filhos". "E sabem lá se os vossos filhos a querem? Eles querem é que vocês os ajudem enquanto são vivos. A casa deles, eles que a paguem.", atiço eu que tenho um certo prazer em atormentá-los, confesso. "Isso é uma visão egoísta", e com esta pensam calar-me. "É uma visão realista", remato.

A última palavra está longe de estar atribuída, porque esta é uma discussão inacabada. Eu própria estou longe de poder dizer que nunca mais comprarei uma casa, mas já experienciei as duas situações, e cheguei à conclusão que a do arrendamento é muito mais atractiva. Neste momento sou proprietária à força.

A minha geração (nascidos nos 70) está a milhas de contas poupança da dos nossos pais e avós, mas ainda fomos embalados por palavras como 'herança' e 'partilhas', que fazem parte do ideário das nossas famílias. Somos filhos de pais certinhos, que faziam flores com o dinheiro, do ordenado tiravam outros ordenados, num autêntico milagre da multiplicação. Eles compravam coisas com os juros das contas a prazo! Nós andamos a vida inteira a pagar juros, e serão esses, os juros, que os nossos filhos vão herdar...

Os nossos pais habituaram-nos mal. Muito mal. Não nos avisaram que os nossos empregos não iam ser seguros como os deles. Não nos disseram que a vida ia ser tão oferecida, tão cheia de seduções vadias, fatalíssima. Não nos prepararam para o advento das contas ordenado, dos cartões de crédito, dos créditos especiais de corrida à falência e bancarrota. Eles não sabiam. Não sonhavam este pesadelo para os filhos. No entanto, neste sonambulismo consumista em que andamos, ainda são eles que nos carregam ao colo.

Os nossos pais não sabiam, mas nós já sabemos disto tudo, não devíamos preparar as gerações futuras para investirem noutro tipo de bens menos imóveis e mais enriquecedores? Menos posses e mais experiências?

Enquanto os nossos pais fizeram sacrifícios para não dever nada ao banco, e jamais lhes pedir o que quer que fosse, os felizes proprietários trintões andam a bater com a cabeça no fundo dos ordenados para satisfazer essas instituições que os conhecem melhor que eles a si próprios.

Férias, saúde, formação extra-curricular dos filhos e dos próprios, liberdade de acção, são tudo bens e prazeres que pesam no outro lado da balança e que muitas vezes saem a perder... em troca de um lugar no condomínio e um casamento castrador com o banco. Valerá a pena?

4 Comments:

Blogger Lolita said...

Por mim... posso e devo alugar! E um quartito em tua casa para quando quiser ir à paria! Arranja-se?

2:51 da tarde  
Blogger AS said...

Ó minha Lolita, eu até faço mais: ofereço-te o quartinho perto da praia... Ah pois é!

7:04 da tarde  
Blogger AS said...

...Não faço a mínima ideia... Mas pode sempre vir à segunda volta. Agora estou curiosa! :)

11:56 da manhã  
Blogger mjm said...

Clap.. clap.. clap
Só é pena que os arrendamentos sejam a miséria que são. Porque isso, são outros quinhentos.

12:38 da manhã  

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