19.11.04

Miséria de solidariedade

Nunca quis demorar muito tempo a pensar na fome em África, na Paz no Mundo, e nesses temas genéricos que me fazem lembrar as "entrevistas" dos concursos das misses. Sempre achei que são coisas tão sérias que a simples alegação de causas e resoluções por quem não faz a mínima ideia do que seja o sofrimento de pessoas fora da nossa realidade é uma grande falta de respeito e leviandade. Esta semana foi lançada uma nova versão do tema natalício da banda Aid, lembram-se? It's Christmas time... Feed the world... la la la. As vozes e os rostos são outros, longe vai já a maioria das estrelas dos anos 80, mas o objectivo é o mesmo - contribuir para a diminuição da fome no continente africano. Ontem à noite ao ver o videoclip na Sic Notícias lembrei-me do Live Aid e de ter estado pregada ao televisor durante três dias, recusando-me a ir à praia e até a comer; lembrei-me das anedotas sobre etíopes que estavam tão em moda e das quais nós, na inocente estupidez da nossa adolescência, nos ríamos; lembrei-me do Bob Geldof a ser entrevistado; lembrei-me das imagens de crianças esqueléticas e cobertas de moscas; lembrei-me que passados uns dias de histeria e muito rock and roll e pop, lágrimas e palavras sentidas, esqueci-me da fome em África. Ao longo destes anos o tema foi voltando sob a égide de novos acontecimentos e flutuações políticas, em Portugal sempre se foi falando muito em Angola, Moçambique, Timor... Organizam-se umas campanhas, uns bancos alimentares, uns espectáculos, uns discos... Depois volta tudo ao mesmo. Esquecimento. Nem vale a pena fustigarmo-nos por causa disso, somos apenas humanos. Todos temos os nossos problemas, as nossos créditos para pagar, as nossas pequenas misérias. Como compreender o sofrimento em África, se o mesmo só está ao alcance da minha imaginação? Eu nunca lá fui, mas todos os dias passo ao pé de um casebre onde vive uma família numerosa que passa fome. Foram quase todos, no dizer popular, "feitos no álcool". São miseráveis, verdadeiramente miseráveis. Uma pobreza urbana, europeia, moral, o que lhe quiserem chamar, mas pobreza. O mais certo é eu comprar num dos próximos dias o tal CD britânico do Christmas time para ajudar África. Entretanto, devia começar era por fazer qualquer coisinha à porta de casa. O mais certo é amanhã já me ter esquecido. Miserável.