30.11.04
O melhor dos filmes românticos, sobretudo na versão comédia, é o final feliz. O beijo que regista o ‘happy end’ ainda é o preferido dos espectadores - a rapariga e o rapaz orientam-se sempre e a ficha técnica encerra as suas aventuras e desencontros. O primeiro diário da heroína Bridget Jones tinha cumprido a missão em pleno. Depois do filme, seguimos com a nossa vida, essa insondável longa metragem (sem ficha técnica que nos sossegue), com a certeza que a britânica tinha encontrado a felicidade e arrumámos o assunto. Mais uma fita, mais um DVD para a prateleira, e siga. A ideia de uma sequela provocou logo alguma estranheza. O que restaria para dizer depois do beijo sob a neve? Como é óbvio a fasquia elevou-se e a expectativa deu lugar a alguma desconfiança. Os números dois e seguintes, à maneira do Tubarão, são mais ou menos como as adaptações de livros ao cinema – generalizou-se dizer que os originais são sempre melhores. Com uma comédia romântica a suspeita de falhanço assume proporções ainda maiores, como se fosse impensável mexer num final feliz. O “Novo Diário de Bridget Jones” é realmente pior que o antecessor, mas tem o mérito de mexer nesse tal ‘happy end’ e, no que a esse virar de página diz respeito, torna-se melhor. Não será pela forma como o faz, repetitiva no decalque do primeiro até à exaustão, mas pela audácia de tentar (pelo menos) desvendar o que fica para além do “viveram juntos para sempre e tiveram muitos filhos”, esse epílogo que inconscientemente subsiste na entrelinhas do beijo final. A tentativa não saiu falhada. As novas páginas do diário de Bridget são reveladoras do que todos tememos, ou melhor, do que todas tememos (é um filme de gaja, é sim senhor), ou seja: Há vida para além do final feliz. Desilusões, relações mal acabadas que voltam nas alturas menos apropriadas, desconfiança, ciúme, possessão, insegurança, obsessão... O ‘trailer’ é conhecido e já foi exibido inúmeras vezes, com direito a reposições e tudo, mas que me lembre é a primeira vez que estreia como rosa velho depois de um primeiro filme com um ‘happy end’ cheio de blush. Nesta sequela, Bridget Jones borra a pintura. A paleta afinal tem demasiadas cores... Por fim, a protagonista percebe que não existe um homem ideal, e que também ela não é a mulher ideal para ninguém. Chama-se a isto um ‘final feliz’.
24.11.04
Sofro dos nervos
Tenho um colega* que um dia encontrei a dar murros no PC com um ar esgazeado. Foi o mesmo que anunciou que ia mandar fazer uma t-shirt a dizer: "Sofro dos nervos" (tradução à letra: Não me enervem que eu mordo). Pois bem, eu também sofro dos nervos! As minhas amigas andam preocupadas e começam a oferecer-me livros de meditação do OSHO e, mais aflitivo, já acenam com a cabeça em sinal afirmativo sempre que eu solto a raiva e começo a dissertar sobre tudo e mais algumas coisa e ameaço abandonar o país e emigrar. Ignoram-me já, concedendo-me o direito a uma pausa para o desasossego, "a hora paranóia light". Um dia vão ver...
* Que outro nome dar a um tipo que trabalha no mesmo sítio que eu, e de quem até gosto um bom bocado? Bem sei que colega é foleiro, mas não conheço outro nome. Aceitam-se sugestões.
20.11.04
Um momento político ou o beco das gerações
Talvez tenha sido a propósito do estado da nação, da democracia, das eleições nos EUA, não sei bem. Da globalização também, se calhar. Seja pelo que for, ocorreu-me que muitos dos quarentões e cinquentões com quem travei conhecimento até hoje andaram na adolescência e na juventude adulta a lutar, ou muito simplesmente a desejar, por um mundo de igualdade de direitos e oportunidades. Cabem nesse mundo a universidade, a cultura, o lazer e o entretenimento. Nesse mundo visto por uma lupa urbana, as aldeias e as serras lá longe devem também aproximar-se da cidade, por vias e transportes, e pela construção de equipamentos que as alimentem e dignifiquem. A ideia, já velhinha, continua a ser uma boa ideia, e estes ideólogos são todos boas almas. Noto é que os ideais de juventude só são bons quando não passam disso mesmo - ideais. Hoje, em plena idade global, em que as capelinhas são cada vez mais catedrais, os sonhos dessa malta madura, que um dia iluminou a escuridão dos clubes privados, ameaçam tornar-se pesadelos. Recordam com saudade e melancolia a elite que constituiam, na época em que a elite não era vip, era bem intencionada e, supostamente, ansiava expandir-se. Eu bebo-lhes as palavras e a sabedoria, porque é para mim um prazer aprender com eles. Gosto de escutar as estórias de liceu, dos cromos de colecção com quem partilharam a secretária e que hoje se sentam na Assembleia e noutras sedes de poder, dos livros que leram aos quinze e que eu com 32 anos ainda nem conheço... Gosto de os ouvir contar onde estavam no dia 25 de Abril de 1974, passo-me quando me falam de coisas que eu a seguir tenho de ir pesquisar na net, e rio-me dos disparates que faziam e que envergonham qualquer diabrura que a minha geração inocente, e até um bocadinho sem sal, cometeu. Em contrapartida, sinto-me também sempre um bocadinho mais à frente deles quando reparo, com alguma superioridade (confesso), que afinal eles pararam no tempo. Desdenham tantas vezes a massificação das artes e dos bens de consumo, e o acesso ilimitado à escrita e a outras formas de manifestar sentimentos, que até irrita. Então não era isto que queriam? É claro que não, mas estas vitórias são como os menus dos restaurantes, há sempre qualquer coisa que não gostamos (o café, a sobremesa do dia, etc), mas levamos com o "bolo" todo, porque já está pago. A verdade, verdadinha, é que eu temo que o desdém que por vezes os meus amigos cotas imprimem à sua visão da presente realidade (e não estou a falar da política, que essa é um nó cego) seja o mesmo que eu possa deixar passar para os adolescentes e miúdos de vinte anos que conheço. Também a mim me desgostam os passeios em família nos centros comerciais, a moda de ser "famoso/conhecido" à força, a chegada ao pódio de mentes que noutros tempos não passariam sequer da linha de partida. E então?! Metas há muitas... Aí está a beleza disto tudo. A escolha, que hoje é uma realidade, será sempre uma arma, e cada um a usa como quer. Neste beco onde viemos todos desembocar, só não podemos é virar objectores de consciência. Pronto. Encerro aqui este momento político.
19.11.04
Vencedores
Ganhaste-me, fizeste-me ganhar-te,
Esta é uma bonita história que encontrei num blogue que há pouco tempo descobri por mero acaso. Felizes acasos ou a força do lado esquerdo...
Miséria de solidariedade
Nunca quis demorar muito tempo a pensar na fome em África, na Paz no Mundo, e nesses temas genéricos que me fazem lembrar as "entrevistas" dos concursos das misses. Sempre achei que são coisas tão sérias que a simples alegação de causas e resoluções por quem não faz a mínima ideia do que seja o sofrimento de pessoas fora da nossa realidade é uma grande falta de respeito e leviandade. Esta semana foi lançada uma nova versão do tema natalício da banda Aid, lembram-se? It's Christmas time... Feed the world... la la la. As vozes e os rostos são outros, longe vai já a maioria das estrelas dos anos 80, mas o objectivo é o mesmo - contribuir para a diminuição da fome no continente africano. Ontem à noite ao ver o videoclip na Sic Notícias lembrei-me do Live Aid e de ter estado pregada ao televisor durante três dias, recusando-me a ir à praia e até a comer; lembrei-me das anedotas sobre etíopes que estavam tão em moda e das quais nós, na inocente estupidez da nossa adolescência, nos ríamos; lembrei-me do Bob Geldof a ser entrevistado; lembrei-me das imagens de crianças esqueléticas e cobertas de moscas; lembrei-me que passados uns dias de histeria e muito rock and roll e pop, lágrimas e palavras sentidas, esqueci-me da fome em África. Ao longo destes anos o tema foi voltando sob a égide de novos acontecimentos e flutuações políticas, em Portugal sempre se foi falando muito em Angola, Moçambique, Timor... Organizam-se umas campanhas, uns bancos alimentares, uns espectáculos, uns discos... Depois volta tudo ao mesmo. Esquecimento. Nem vale a pena fustigarmo-nos por causa disso, somos apenas humanos. Todos temos os nossos problemas, as nossos créditos para pagar, as nossas pequenas misérias. Como compreender o sofrimento em África, se o mesmo só está ao alcance da minha imaginação? Eu nunca lá fui, mas todos os dias passo ao pé de um casebre onde vive uma família numerosa que passa fome. Foram quase todos, no dizer popular, "feitos no álcool". São miseráveis, verdadeiramente miseráveis. Uma pobreza urbana, europeia, moral, o que lhe quiserem chamar, mas pobreza. O mais certo é eu comprar num dos próximos dias o tal CD britânico do Christmas time para ajudar África. Entretanto, devia começar era por fazer qualquer coisinha à porta de casa. O mais certo é amanhã já me ter esquecido. Miserável.
17.11.04
Aumento do capital social
O Claque Quente antecipou as festividades de fim de ano, à norte estadunidense (americano em "clarkês") e contribuiu hoje muito (nem ele imagina) para a felicidade desta empresária em nome individual, que anda cá dentro a lutar pela vida lá fora... Vou agora pôr um vestido como deve de ser e desfilar na passadeira vermelha.
PS - Eu avisei que os tempos de modéstia acabaram. Sou uma capitalista!
13.11.04
A sério?! Obrigada!
Todos os dias existe uma nova razão para eu ser feliz, apesar de tanto me queixar da vida nos últimos tempos. Como a minha cabecinha, apesar de tudo, não pára, acabo por só dar por isso passado um tempo... Digamos que vivo sob o efeito da retroactividade. O meu marido diz que eu sou extemporânea e, em dias de provocação, alega que desde que fiz madeixas loiras nunca mais fui a mesma, justificando assim o meu raciocínio retroactivo e as minhas vontades sempre projectadas nuns bons anos à frente. A minha mãe é que tem razão: Já nasci fora do tempo, por isso estou sempre em rotação acelerada. Mimos. Serve este prólogo para dizer que a história da minha vida tem sido pontuada por desfasamentos. O exemplo mais básico refere-se aos elogios que a minha amiga loira d' O Suave Milagre tanto aprecia. Ela não só consegue vivê-los a tempo, como ainda os faz render com taxas de juro altíssimas! E depois a loira é ela! Eu, ao invés, sou um desastre em aplicações financeiras e desperdiço capital todos os dias, porque estou sempre à espera de grandes coisas. Majestosas. Magníficas. Milagrosas. A regra dos três "M". Sou uma morena burra. Para hiperbolizar a coisa ao máximo (olha outro "M"), de acordo com a minha demência só deveria dar conta de um elogio do Johnny Depp, da Branca de Neve, do Leonardo da Vinci, da Madre Teresa, da Alice no País das Maravilhas, do Cristóvão Colombo, do James Bond... etc, etc, etc... Sim, porque os elogios da família e dos amigos são favas contadas! Serão?! A loira dos milagres, a quem eu já devo ter recusado elogios desde há quase duas décadas (!), é que me deu uma grande lição. A boa notícia é que hoje ainda vou a tempo de saborear o elogio do meu amigo Mário S., que há uns dias me disse que eu sou efectivamente uma mulher com tanta vida, que me torno maior do que ela e que nem toda a gente tem a mesma pedalada (sic). Não é lindo?! Desculpem lá a imodéstia, mas a partir de hoje inicio a minha conta poupança.
12.11.04
"Bloguistas Anónimos" (sem abstinência...)
Eu tinha mais ou menos estabelecido que não iria nunca escrever sobre o que é fazer, ler ou pensar o fenómeno dos blogues. A própria palavra "fenómeno" irrita-me porque me lembra aqueles estudos sociológicos que não servem para nada e dizem coisa nenhuma. Acredito que há coisas que não têm explicação e que a busca da mesma só lhes tira encanto e espontaneidade. Hoje resolvi contrariar-me porque há sempre alguém que mais cedo ou mais tarde nos leva a transgredir as nossas convicções, e quem consegue isso comigo merece troco! O Lusofolia foi blogue para isso, porque tocou numa questão que me parece pertinente e que nem sequer é um fenómeno: Andamos ou não todos a mandar recados uns aos outros? Temos ou não temos destinatários preferenciais e escolhidos a dedo? Pensamos ou não no efeito que os nossos posts têm na nossa pequena (pelo menos a minha) comunidade de leitores/cúmplices? Pois temos, andamos e pensamos. Por aquilo que até hoje me foi dado a perceber, primeiro como leitora, depois como fazedora, os que perdem tempo com isto fazem-no porque têm algo a dizer, a si próprios e aos outros. Ainda que um blogue possa ser, em muitos casos, uma forma de se chegar mais a si mesmo, será também desde logo uma outra forma de se chegar aos outros. Em tudo isto acaba sempre por haver um risco de exposição calculado, medido até ao "ésimo" grau de anonimato em que nos inscrevemos. O meu grau de anonimato é muito baixo, digo já. Nenhum mesmo. Só teria optado pelo máximo se o conteúdo do meu blogue fosse prejudicial à minha integridade física, ao meu percurso profissional ou ao segredo de justiça... Não é o caso. Por isso vou a jantares e encontros se me apetecer e neles me "linkarei" com quem me seduzir pela via da sua escrita, personalidade ou conversa. Se dessas folias blogueiras nascerem cumplicidades que se traduzem em piscadelas de olhos nos posts posteriores, na minha opinião isso não será prejudicial. Até agora, pelo menos para mim, não foi, mas eu também gosto de distribuir piscadelas a torto e a direito a toda a gente, bloguistas ou não... É uma questão de feitio.
PS 1 - Este post é assumidamente interno, um recadinho a todos os bloguistas que eu conheço pessoalmente.
PS 2 - Lusofolia, admito que escrevi este post para ti e que gostava muito que o gramasses.
8.11.04
Diz-me só
Diz-me só: Quando foi que eu te perdi?
Diz-me em que momento entrei no álbum de boas lembranças.
Diz-me o que não fui, o que não disse, o que não te percebi...
Diz-me porque não te cheguei.
Diz-me em que momento me guardaste no teu coração, fechaste a porta e deitaste a chave fora.
Diz-me só se alguma vez te ganhei.
Diz-me,
porque só sei que, pelo menos hoje, eu te perdi.
7.11.04
Ser feliz com
Hoje estou feliz com a felicidade de uma amiga. Ela apaixonou-se sem contar e, fruto de um outro belo acaso, tem agora uma oportunidade de finalmente se realizar profissionalmente. Depois de sete anos (cá está o tal ciclo!) de seca, a porta da barragem abriu e quase que nem consegue respirar, rebolada que está numa enxorrada de energias positivas. Se estivessemos na Florida ou nas Caraíbas eu diria que a G. está a viver sob a influência de um furacão com nome de homem, que à sua passagem vai deixar marcas indicifráveis ainda, o que só aumenta a agitação que lhe vai no corpo. Vivi a alegria dela como se fosse minha, porque a vida dela é também um pouco minha. Não é isso a amizade? Apropriamo-nos da existência dos nossos queridos, reconhecemo-nos nos seus sucessos e fracassos e, consolo dos consolos, percebemos que afinal existe um sentido único no universo, uma empatia que justifica andarmos todos aqui aos encontrões. A maior dessas empatias é o medo. A G., como eu, como todos nós julgo, tem medo de "furacões", apesar de admirar a beleza da sua força, e sente-se pequenina perante tão grande poder do destino. Eu, como estou muito feliz com ela, quero-lhe dizer (e a mim também) que não há nada melhor que perseguir intempéries. Do caos nasce às vezes a serenidade.
6.11.04
Na cama com...
... no sofá, no carro, no chão, na cozinha, no escritório, na relva... O sexo não escolhe locais e não exige colchão. Isso já todos sabemos há muito tempo e quem não sabe vê nos filmes. Por isso, não percebo porque é que se diz que se dormiu com alguém. Dormiu?! Será uma maneira de romantizar a coisa? Mas a coisa não valerá por si só? Cabe na cabeça de alguém dizer que fulano anda a dormir com sicrana, quando na realidade eles amassam-se nas escadas da empresa? Ou que dois beltranos que se encontram à hora de almoço no hotel andam a dormir juntos? Bem esperta foi uma adolescente que eu conheço responder à avó "Eu, avó?! Eu não durmo com o meu namorado! A avó não tem confiança em mim?". Engasguei-me à mesa e tive de conter o riso. A safadinha até me lançou uma piscadela de olhos... A nova geração é muito mais esperta.
1.11.04
Depois do amor...
... do amanhecer e do anoitecer. Não é fácil falar de um filme que não o é. Aqueles dois seres que percorrem Paris - numa tagarelice pegada, ansiosa, nervosa, quase histérica de contentamento, como se ao pararem de falar possam interromper um precioso instante das suas vidas - precedem toda e qualquer concepção de cinema, de história e de argumento. "Antes do Anoitecer" não é um filme, é um ensaio, uma premonição de festa, uma antecipação de futuro. Ethan e Julie não devem ter estudado um guião, não os consigo imaginar a decorar páginas. Não consigo sequer imaginar um realizador ou uma equipa técnica. "Antes do Anoitecer" é um furto, um dia roubado à existência de um homem e de uma mulher, e a exposição de centenas de frases, medos, expressões, desejos, experiências, dias e dias de todos nós. Eu senti-me mais do que roubada, senti-me viva. Não é todos os dias que um "filme" projecta a verdadeira essência das relações entre homens e mulheres e, mais do que isso, da verdadeira luta entre a vida tal como ela é e os nossos valores, ideais e desejos. A vida acabará sempre por ser aquilo que dela quisermos. Esta é a única certeza nua e crua que tanto nos assusta. A tal liberdade que reside na decisão e na escolha tem-nos tão encarcerados... E em "Antes do Anoitecer" nem sequer podemos dizer: "Isso só acontece nos filmes".