9.12.05

cabelos compridos

Passados uns anos sobre a minha saída da Praceta do Xitol, nas idas à casa de amigos que os meus pais tinham conservado mesmo depois de mudar de concelho, comecei finalmente a perceber os olhares divertidos e a afabilidade paternal com que os meus vizinhos me cumprimentavam. Eu tinha sido, porventura, a criança mais estranha que ali tinha vivido.

Não era traquinas, não era especialmente simpática (como, dizem, sou hoje), não era a mais popular (isso foi mais tarde) e só os mais próximos sabiam que era aluna de quadro de honra(isso acabou mais tarde...). Era sim a mais limpinha e coquette das crianças da praceta. Só usava vestidos e saias, sapatinhos de princesa e carregava sempre uma mala cheia de tralha, muitas chaves, canetas, bloquinhos, batons que tinha estragado à minha mãe e que ela entretanto me tinha dado por impossibilidade de uso.

A única coisa que não batia certo no visual era o cabelo. Não tinha lacinhos, nem ganchos com malmequeres, porque a minha mãe insistia no tamanho curto, quase "à rapazinho". As idas ao cabeleireiro eram um suplício e até cheguei a sonhar com um salão que me acrescentasse cabelo (eram as extensões que eu já imaginava...). Não valia a pena. "Tens de cortar o cabelo que é para ele ficar forte". Palavra de mãe.

Imune às piadas dos outros meninos da praceta, influenciada pelas revistas e pelas cabeleiras fartas dos "Anjos de Charlie", comecei a adoptar uma peruca em pano. Atava à cabeça um avental curto da minha mãe, azul petróleo, daqueles que se usavam nos anos 50/60, sem peitilho, e assim andava pela casa e na varanda a pavonear-me. Nunca consegui descer à praceta com aquele adereço porque a minha mãe proibia-me carinhosamente... Mas ainda hoje a D. Aurora, a D. Lurdes, o Sr. Fernando e mais uns quantos cujo nome esqueci se recordam da minha figura a desfilar na varanda, alheia à relação de proximidade e coscuvilhice própria de um bairro dos anos 70, onde todos se conheciam e as crianças brincavam na rua até tarde.

Eu tambám ia brincar à apanhada, ao elástico e à barra do lenço, mas o que me dava mesmo satisfação era estar na minha varanda, grande, cheia de vasos, décor de todas as minhas fantasias do mundo dos adultos, feita uma mulher crescida de cabelos compridos.

Os meus cabelos já não são de pano, nem são extensões, caem-me fartos depois dos ombros e cresceram naturalmente fortalecidos graças à minha mãe, ou pelo menos eu gosto de acreditar que a ela se deveu. O Ricardo, meu cabeleireiro, gosta de esculpi-los e sossegar-me: "Não te preocupes que eu não corto muito em tamanho".

As mulheres não se medem pelo tamanho dos seus cabelos, mas é do alto dos meus que eu ainda me sinto dona da minha brincadeira.

3 Comments:

Blogger Samuel said...

Estes posts dão gosto.
Em muito novinho tinha um corte de cabelo em que muita gente tinha dúvidas se era menina ou menino... Vá lá, não deu trauma!

2:24 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Comigo tb foi mais ou menos assim...
A minha mãe não me deixava crescer o cabelo. Cada vez que me levava ao cabeleireiro eu dizia que não queria cortar, mas davam-me sempre a volta...
Apesar de ser claramente uma adepta dos cabelos curtos, nunca tive o cabelo tão comprido como agora... as voltas que a vida dá! ehehe

1:04 da tarde  
Blogger Lolita said...

Apesar de ter tido sempre cabelo curto (ainda hoje me perguntam com espanto quando olham para as minhas fotos de crianças: Eras tu???) não foi por isso que cresceu mais forte. Isso deve-se ao Ricardo! Única e exclusivamente a ele!

6:51 da tarde  

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