Carta a Shaymalan
Na nossa vila só existem boas pessoas. Umas são doidas, mas são acolhidas com paternalismo. Outras são destemidas e são olhadas com um misto de admiração e receio. A maioria é normal, quer apenas levar a sua vidinha. Todos temos segredos enfiados no armário, que confessamos só a alguns a que chamamos amigos íntimos. O pior é que somos todos conhecidos, a vila é pequena. Todos andamos encalhados uns nos outros a ver se sobressaimos, mas também não podemos sobressair muito porque há personalidades a cores que destoam muito daquelas que são a preto e branco. Todos nos apaixonamos, mas às vezes não podemos fazer aquilo que queremos para os outros não saberem que o queremos fazer. Todos somos muito complicados. Na nossa vila só existem pessoas com medo. O medo é o denominador comum, só os doidos se dão ao luxo de o não ter. Sabe porque é que todos temos medo? Porque até os corajosos precisam dele, senão não eram corajosos, eram filhos da puta. Quem me disse isto há muito tempo foi um auto-denominado fraco, que de corajoso tinha muito. O pior e o melhor da nossa vila são os destemidos! Dão-nos cabo da cabeça com a mania de querer ir às cidades. As cidades são más. Pois são. Têm crime, criminosos, políticos, banqueiros, gente que mata os próprios filhos, pedófilos, centros comerciais, terroristas... Os destemidos sabem disto. Então não hão-de saber? Os destemidos são o melhor da nossa vila, aventuram-se nas cidades, com humildade e convicção, porque sabem que a maior glória consiste em ser vilão na cidade, em ser bom onde existem maus.
É por isso que eu quando for grande quero ser vilã... na cidade. Ah... É verdade Sr. M. Night Shaymalan, quando fizer o seu filme sobre a noss'A Vila, ponha os actores a fazer aquela cena de amor no alpendre que eu lhe disse na outra carta que gostava muito que me acontecesse um dia. A mim e a todos os meus amigos daqui. Obrigada.