espírito de Natal VI
No fim do jantar de Natal do gabinete fomos meia dúzia brindar com uns licores para um bar nada de especial, mas que estava à mão. Na mesa "à la irish pub" acabou por se erguer uma fronteira invisível entre sóbrios, mas pouco, e nada sóbrios, mas muito mesmo.
Na impossibilidade de manter um diálogo entre os dois lados, trégua que nem sequer a má-língua própria dos finais de jantares natalícios laborais conseguiu declarar, resolvemos pelo meu lado, o dos sóbrios mas pouco, darmo-nos à mania de fazer contas ao dinheiro dos outros.
Concentrámos todas as nossas ânsias no próximo ano e naquilo que ele poderá ter de melhor - o prazer de sair de Portugal. Ao início ainda só falávamos de férias, Veneza em Outubro e uma certa praça nos arrebaldes de Florença que ninguém visita por estar fora dos tradicionais roteiros turísticos... Depois, à medida que os copos iam vazando, com os líquidos foram-se também os pudores e começámos a engendrar formas de captar heranças de familiares que nem sequer conhecemos para reunir verbas que nos permitissem abandonar a pátria e viver idilicamente no estrangeiro, mas à grande e à francesa. No caso, seria mais à grande e à italiana e/ou (dependia da herança) à americana (versão Nova Iorque).
O espírito do Natal do futuro estava entre nós. Ao longe, no fundo do copo, uma bela villa na Toscânia chamava por nós.
Hoje acordei com uma valente dor de cabeça. O espírito do Natal do presente chamou-me à realidade.
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