29.6.04

A mala de cartão

Há em todos os portugueses o síndrome da mala de cartão. Todos temos uma no armário, ao lado dos esqueletos. Como se lá fora houvesse sempre qualquer coisa melhor à espera, um trabalho, um amor, uma vida nova e melhor. É sempre de cartão porque o português não gosta de nada definitivo,o regresso permanece eternamente como possibilidade. O que varia é o portador da mala. Agora está na moda a de cartão reciclado, fiel companhia dos que estão sempre à procura de um novo cargo, um que alivie o fardo e os encargos de uma missão a que se propuseram e que entretanto rejeitaram, ansiosos por levar a malita de cartão a melhor bom porto, seguro e inquietante quanto baste. A minha está no armário, guardadinha, novinha em folha, pois ainda não quero desertar e jamais me habituarei ao material reciclado.

Conjugação difícil

Dei-me conta no outro dia que AMAR é um verbo. Não pressupõe sentimentos, mas acções ou verbos auxiliares: desejar, querer, cuidar, nutrir, alimentar, abdicar, beijar, abraçar, abrigar, proteger, rir, chorar, lembrar, passear, dar, oferecer, agradecer, olhar, sentir, recordar, reconfortar, aplaudir, ralhar, preocupar, encostar, tactear, cheirar, saborear, ouvir, escutar, contemplar, sofrer, viver... A conjugação é irregular e difícil: Eu amo, tu amas, ele ama...

O despertar da mente

Não será o filme da minha vida, mas é definitivamente o filme da minha memória. "O Despertar da Mente" fez-me correr atrás dela como se fosse o bem mais precioso da minha existência. E é. Comovi-me com o grau de ansiedade que depositei nos últimos minutos do filme e nos dias que se seguiram ao visionamento, com medo de perder o rasto àquelas recordações que me fizeram e dispuseram a minha vida da forma como a encontro hoje. Quando era pequenita sonhava com a invenção de uma máquina que filmasse os meus sonhos... Hoje penso que seria últil que registasse também as memórias. As boas para recordar e as más para arquivar numa reserva mental, espécie de secção de aprendizagem. É por esta fixação no passado, não pretérito, que continuo sempre a correr contra o tempo, antes que ele me apague a mim também da memória dos outros.

17.6.04

Maquiavel, Madre Teresa e os outros que somos nós

Ultimamente tenho ouvido muito esta frase: "Às vezes para fazer o bem, é preciso fazer primeiro o mal". A mim parece-me já um chavão recorrente nos malfeitores com "escrúpulos"... Mas a maldade é uma só, não produz nenhum tipo de bem e não dá alegria, nem mesmo àqueles que a praticam. Então para quê induzir em erro os que são vítimas dela, como se no futuro ainda fossem beneficiar das dores que lhes infligiram? Já sofri na pele a maldade dos outros, alimentei raivas, planeei vinganças quentes e frias, e jurei depois perdoar mas não esquecer... E este é precisamente o ponto em que me encontro neste momento: Perdoei, mas não esqueci. Sei que o mal não se combate com o mal, mas não consigo ainda combatê-lo com o bem. Deixei de engendrar vinganças, prossigo na prática da indiferença.

16.6.04

Homens temporariamente sós

A vida não está fácil para os homens trintões. Tenho uma série de amigos que vivem sós, com existências intercaladas por encontros sexuais fugazes e relações que deixam mágoas e conduzem a um ateísmo amoroso de que não há memória. No outro dia um deles desabafou: O que raio querem as mulheres? Eu, que tenho sempre qualquer coisa a dizer, fiquei sem resposta. Nem as mulheres sabem o que querem! Essa é a verdade. Ou, pelo menos, não sabem o que querem sempre... Umas vezes queremos umas coisas, outras vezes o contrário dessas... A única resposta cabal que ouvi nos últimos tempos foi somente esta: Gosto de um homem que me faça rir todos os dias! Sinceramente não a compreendi... Mas isso fica para outro post. Ontem disse a outro amigo (que acredita que um amor a sério nunca se repete e que a oportunidade dele já passou) uma coisa verdadeiramente estúpida: Os homens não podem tratar as mulheres bem demais... Que grande parvoíce esta. Nem sei o que queria dizer com isto. Só sei que mais cedo ou mais tarde, a maioria dos meus amigos trintões sós vai acabar por casar com alguém que está à mão de preencher um vazio, compôr a casa, constituir família, etc, sem glória, sem paixão, e sem um pingo de desilusão sequer... Aquela que sempre advém de um grande amor!

9.6.04

Furos e carimbos com fartura

A banalização crescente de piercings e tatuagens está a subverter aquilo que foi em tempos a alegoria destes gritos de guerra contemporâneos - marcar a diferença. Ser diferente é bom, não é fácil mas é bom. Parece-me é que ultimamente se massifica a diferença. À custa de querer ser diferente acaba-se por ser igual aos outros todos, porque os caminhos para a diversificação são cada vez mais estreitos. Lembro-me, a propósito deste assunto, da proverbial demarcação do meu amigo LM que disse logo que nem pensar, se tivesse que ter feito era há muitos anos atrás, quando os piercings e as tatuagens ainda chocavam alguém. O LM nem nessa altura teria feito. Tenho a certeza que este quarentão arranjou outras formas de povoar os pesadelos dos professores, pais e vizinhos. Hoje tenho amigos com argolitas no umbigo, tatuagens na nádega... Até lhes acho piada, sinceramente. Há alguns que são elementos estéticos interessantes, mas, que me perdoem as minhas fashion victims, já não há paciência para tantos furos, carimbos, roupa desportiva e ténis coloridos...

Os homens preferem as lésbicas (2)

Aquilo que mais intriga os homens (mais do que aquela parvoíce da casa de banho)é a amizade feminina. Nunca hão-de entender o que nos une e, sobretudo, nunca decifrarão a realidade e o conteúdo das nossas intermináveis conversas, a que normalmente classificam de tagarelice ou conspiração. Como outrora, nos tempos obscuros iluminados pelas fogueiras da inquisição, atribuem-nos até poderes de bruxa... Meus amigos, não é nada disso. O único feitiço que vos podemos lançar é aquele que as vossas próprias mentes criam. Sim, sim. Como podemos andar de mãos dadas à vontade pela rua e nos são permitidas manifestações públicas de carinho, começam logo a imaginar perversamente até onde é que irá essa amizade... Parece que ainda estou a ver o olhar entre o divertido e o agitado (o meu marido diz que é melhor dizer agitado que excitado, hi hi hi) de um amigo que me é muito querido a perguntar-me se eu e uma das minhas melhores amigas nos beijávamos na boca... Acham normal? Foi este mesmo amigo que se fartou de gozar comigo por causa do post de publicidade a'Os Trintões, que a minha grande amiga Gabriela (olha outra!)escreveu no seu Suave Milagre e que está aqui. Percebem agora a amizade feminina? Bem sei que não.

In'Fidelidade (3)

A ti meu querido que um dia na véspera de entrarmos no altar me disseste tanta coisa que hoje faz sentido. A ti, sobretudo a ti, agradeço compreender hoje, um bocadinho mais que ontem, o que é o amor. Como no livro francês da minha vida "Um marido, é um marido".

In'Fidelidade (2)

A fidelidade é um estado de alma. Reflecte-se na escolha que fazemos cada dia de amar e respeitar o outro, no compromisso de não usar as suas fraquezas para justificar paixões alheias. A fidelidade só sobrevive se o coração tiver liberdade. A fidelidade só se torna 'in' quando se mascara de hipocrisa.

8.6.04

In'Fidelidade (1)

Estaremos condenados a ser monogâmicos para ser fiéis? Ou podemos ser fiéis a mais do que uma pessoa?

3.6.04

Os homens preferem as lésbicas (1)

Eu já sabia que homem que é homem é lésbico. O mais possível. E agora tenho mesmo a certeza que adora lésbicas. Não consigo perceber esta excitação! Ainda esta semana fui com um amigo ver o filme "O Milagre segundo Salomé", e diverti-me a vê-lo contente com a Natacha... A Natacha foi a verdadeira estrela do filme para ele! A prostituta de cabelo curtinho (personagem interpretada pela jovem actriz Margarida Vilanova) entusiasmou-o muito mais que a Salomé. De facto é uma personagem engraçada, consegue satisfazer a dona do bordel e um deputado gay. É obra! Quando ela desapareceu de cena, porque fugiu com uma louraça dos Alpes, foi uma desolação para ele. Para mim também, sempre gostava de ter continuado o meu estudo. Eu que tenho teorias para quase tudo não consigo concluir esta. Há sempre alguma coisa que se intrepõe entre a minha curiosidade feminina e as confissões dos meus amigos homens. É o pudor masculino! Só pode.

Os jornalistas Missão Impossível

Eles andam de slide, mascaram-se com os fatos do corpo de intervenção da PSP, saltam muros, engolem a câmara, esbugalham os olhos, "escarrapacham-se" em cima da notícia como se fossem a própria e os únicos a conseguir sacar bons planos e bons sons! Eles são os nossos jornalistas maravilha! Ai de mim que também aprendi na faculdade umas teorias sobre o narrador e a arte de contar estórias! Walter Benjamin defende que o conto cura... Mas à nossa cabeceira, só temos uma televisão que nos anestesia... Tédio.

1.6.04

A Cidade do Desassossego

Lisboa transformou-se definitivamente numa cidade cheia de iniciativas. Este ano os cartazes e os apelos a sair de casa são tantos que só me apetece fazer as malas e ir hibernar nos antípodas de mim mesma -um sítio calmo, à beira-mar, numa qualquer ilha onde ao fim de uma semana já só dizemos disparates e estamos bêbados às quatro da tarde à custa de umas pinas coladas com rum... Que mania esta que nós arranjámos de ter iniciativas! Apetece-me uma cidade calminha, onde nada se passa, com os bares e as esplanadas abertos, é claro, e muita festa não programada nem "encartezada"! Uma cidade à medida dos nossos desejos mais imediatos, sem sorteios de bilhetes, cidades do rock ou t-shirts futebolísticas nas vitrines...